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Nº 111
2002/11


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 O LEÃO E A SUA SIMBÓLICA

Jean-Pierre Mangin
Academia Europeia de Filatelia
Membro da Academia Portuguesa de Filatelia

1. Através do plano da minha colecção "O Leão e a sua Simbólica" vou tentar expor o tipo de plano que aconselho para tratar de uma simbólica (conjunto de símbolos associados a um animal ou a um objecto).

Preconizo um plano em três partes:

- Uma primeira parte tratará os diferentes símbolos que constituem a simbólica. Para o Leão serão os símbolos da justiça, da bravura e da nobreza.

- Uma segunda parte na qual estudaremos o caracter mais ou menos universal da simbólica. Esta universalidade poderá ser histórica, geográfica, política e até religiosa.

- Uma terceira parte onde destacaremos as diferentes formas de exprimir a simbólica, como a heráldica, a toponímia e até a antroponímia.

Estudemos pois, numa primeiro passo, os diferentes símbolos constituintes da simbólica do Leão.

2. Mais do que qualquer outro animal o Leão é admirado pelo homem. Desde tempos imemoriais ele é considerado como um símbolo da justiça e da bravura.

Como símbolo da justiça, associando-o à imagem do poder, ele torna-se o garante da sua legitimidade, quer seja do poder temporal, quer seja do poder espiritual. (Fig. 1)

Fig. 1. Este inteiro postal foi emitido para comemorar o Jubileu de Oscar II, rei da Suécia e da Noruega. O Leão surge para simbolizar o poder e a legitimidade deste grande rei da Escandinávia.

O Leão também pode ser o símbolo das forças divinas. Com efeito na iconografia medieval a cabeça e a parte anterior do Leão simbolizam a natureza divina de Cristo. Pelo contrário a parte posterior, que contrasta pela sua relativa fraqueza, simboliza a natureza humana. Pode até, com uma cauda bifurcada ou uma cauda de peixe, simbolizar o Anticristo. É o que exprimem os dois selos da Fig. 2.

Fig. 2. À esquerda o selo das Filipinas representa as armas da cidade de Manilha, em cujo escudo surge um Leão com uma cauda de peixe trilobada. À direita um dos raros selos de telégrafo dos "South Eastern Railways" de 1860. O suporte direito do seu escudo é um Leão de cauda em flecha.

O Leão símbolo das forças divinas não pode ser melhor representado que pelo Leão de São Marcos (Fig. 3).

Fig. 3. Este Leão, escolhido pelo evangelista, é alado, aureolado e pousa a pata direita sobre as Santas Escrituras. O Livro é representado aberto se em tempo de paz, fechado se em tempo de guerra. Este documento é uma marca de franquia da comuna de CAMPOROTUNDI (Marches).

Símbolo da justiça, símbolo das forças divinas, o Leão é também um símbolo de bravura, como é representado na Fig. 4.

Fig. 4. Bravura é o que exprimem, à esquerda, os dois Leões na frente do túmulo do soldado desconhecido em Bruxelas. mesmo se passa com o Leão de Belfort, da autoria do escultor Bartoldi. Recorda-nos a bravura dos defensores da cidade durante o cerco de 1870, quando a cidade foi defendida pelo coronel Denfert Rochereau.

O Leão também pode simbolizar a bravura dirigida para a busca da liberdade. É o que a Administração Postal do Paraguai quis exprimir nas suas primeiras emissões (Fig. 5). Todas representam um Leão brandindo um boné frígio. Desde a antiguidade romana que o boné frígio é o símbolo da libertação dos escravos aos quais era entregue como sinal distintivo nessa ocasião.

Fig. 5

Na vida quotidiana a admiração geral de que goza o Leão faz com que seja muitas vezes utilizado como símbolo de qualidade de um produto ou de um serviço. Como exemplo este inteiro postal canadiano que gaba "The Lion Quality" (Fig. 6).

Fig. 6

3. Numa primeira parte acabamos estudar os diferentes símbolos que constituem a simbólica do Leão. Estudemos agora o caracter universal desta simbólica. Tratar-se-á de uma universalidade histórica?

Pode-se considerar que sim uma vez que a simbólica do Leão é tão antiga quanto a expressão artística humana. Encontram-se os primeiros traços na bacia mediterrânea, vários milhares de anos antes do nascimento de Cristo (Fig. 7).

Fig. 7. Em cima à esquerda, 25 séculos AC a Esfinge de Gizéh, animal fantástico com corpo de Leão e a cabeça de um faraó. Em cima à direita, 20 séculos AC, o Leão da Babilónia que simboliza a potência da dinastia amorita. Ao centro, 3 séculos AC, os Leões de Aska, rei budista que reconquistou a Índia aos gregos e aos persas.

Na Idade Média o Leão era rei após o aparecimento da heráldica onde, juntamente com a águia, era um dos símbolos mais frequentes (Fig. 8).

Fig 8.

Mais perto de nós, no século XVIII também se utiliza a simbólica associada ao Leão (Fig. 9).

Fig. 9. Este bilhete de porte pago de Dôle, ornamentado com um Leão, também utiliza a simbólica associada ao Leão.

Até mesmo na nossa época moderna o Leão é usado como símbolo de qualidade (Fig. 10).

Fig. 10. Esta caderneta com selos "Semeadora" dos Grandes Armazéns do Louvre, utiliza o Leão como símbolo de qualidade.

4. Universalidade histórica mas também universalidade geográfica.

Exprime-se no coração da África (Fig. 11) com o Leão de Judá, símbolo do império do Rei dos Reis, o Négus, mas também em países onde o Leão nunca viveu (Fig. 12 a 14).

Fig. 11

 

Fig. 12. É o caso do primeiro selo, da Noruega, que representa o Leão coroado e armado com a acha de armas de Santo Olavo, que evangelizou o país na Idade Média. Este selo é tanto mais interessante quanto recebeu, em 1934, a sobrecarga "Bouvet Oya" por ocasião de uma expedição à ilha antártica de Bouvet. Em cima à direita e à esquerda, continuando nas regiões setentrionais, temos um selo do Zemtsvo de Rzehf e um selo da Finlândia com sobrecarga "Aunus" quando da ocupação de Olonez em 1919.

 

Fig. 13. Continuando em regiões onde o Leão nunca viveu, temos este selo do Bornéu cujo escudo ostenta, em chefe, um Leão dito passante, símbolo do protectorado britânico neste território.

 

Fig. 14. Utilização também puramente simbólica a deste selo do Paraguai já evocado anteriormente.

5. Universalidade no tempo, universalidade no espaço, mas também política pois a simbólica do Leão foi adoptada por todas as formas de governo: pelos Impérios, pelos Reinos ou pelos Grão Ducados (Fig. 15).

Fig. 15. Tanto pelos Impérios (1º, 2º), como pelos Reinos (3º, 4º e 5º), ou pelos Grão Ducados.

6. Enfim, após a universalidade política a universalidade confessional, pois a simbólica do Leão foi adoptada por todas as religiões (Fig. 16).

Fig. 16. Didervas religiões: Os Muçulmanos, com o Leão vermelho. Os Cristãos com o Leão de São Marcos. Os Israelitas com a Porta dos Leões em Jerusalém.

7. Agora que estudamos, por um lado os diferentes símbolos que constituem a simbólica do Leão, e por outro lado, a universalidade desta simbólica, vamos examinar os diferentes modos como se pode exprimir.

Em primeiro lugar a escultura.

Com a Esfinge de Gizéh (Fig. 17) encontramos a mais antiga expressão da simbólica do Leão na escultura. Estátua com corpo de Leão e cabeça humana, reproduzindo os traços do rei Kéfren da 4ª dinastia (cerca de 2500 AC).

Fig. 17

Temos também a Fonte dos Leões na Alhambra de Granada (Fig. 18), que foi construída no século XIV, durante a ocupação muçulmana da Espanha, pelo sultão Mohamed V.

Fig. 18

É o símbolo do poder temporal na Toscania (Fig. 19). Nessa qualidade dá lugar ao Leão, esculpido por Donatello em 1430, que tem o nome de "Marloco".

Fig. 19

O Leão é também o símbolo do reino da Suécia. É o símbolo da dinastia real dos Vasa, fundada em 1523 pelo rei Gustavo I (Fig. 20).

Fig. 20. A escultura que figura no selo de 5 öre inspirou-se na escultura do francês Fouquet.

Para além da escultura a simbólica do Leão pode também exprimir-se através da ciência heráldica que estuda as armas (brasões).

As armas são constituídas por quatro partes (como se exemplifica na Fig. 21):

- O escudo que serve de suporte a toda a figuração.

- Os suportes do escudo. São as figuras colocadas nos flancos direito e esquerdo do escudo. No exemplo são dois indígenas.

- O timbre. É o conjunto dos objectos colocados acima do topo do escudo. No exemplo é constituído por dois braços. Um escuro, de um indígena, outro mais claro, de um europeu.

- A divisa. Em heráldica é constituída pela bandeirola sobre a qual se inscreve a divisa propriamente dita.

Fig. 21. Neste exemplo "Pergo et Perago", lê-se "Eu persevero e consigo", divisa da "British North Borneo Company".

Em heráldica o Leão pode figurar como móvel no escudo, no suporte, no timbre ou nos três simultaneamente. Apresentam-se alguns exemplos (Fig. 22 a 26).

Fig. 22. O Leão pode ser o único móvel do escudo. É o caso deste selo de 4 skillings da Noruega. O Leão está "rampante", isto é, apoiado sobre uma das patas traseiras e projectando as outras três patas para a frente. Brande a acha de Santo Olaf, o santo padroeiro do país. Trata-se de uma variedade interessante, a "pata dupla", posição D40 (um único selo em cada folha de 200 selos).

 

Fig. 23. O Leão também pode surgir associado a outros móveis do escudo. È o caso dos escudos da Inglaterra e da Finlândia.

 

Fig. 24. Vimos que as armas compreendem o escudo, o timbre, os suportes e a divisa. Conforme se pode ver nestes selos da "British South Africa Company" o Leão pode surgir no timbre do escudo.

 

Fig. 25. Além de móvel no escudo e de timbre, a simbólica do Leão também se pode exprimir através dos suportes do escudo. É o caso da maior parte dos selos da cidade de Danzig.

 

Fig. 26. As armas completas da Grã-Bretanha mostram a expressão máxima da simbólica do Leão. Com efeito encontramos o Leão no escudo, no timbre, e como suporte esquerdo do escudo, associado ao Licórnio, também ele um símbolo do poder.

8. Vou terminar a minha exposição sobre o Leão e a sua simbólica evocando alguns tópicos filatélicos pouco habituais onde surge esta simbólica.

Em toponímia.

Chatillon sur Seine teve na época romana o nome de Mons Leonis (Monte dos Leões). Fig. 27.

Fig. 27. Esta marca postal manuscrita de 20 de Janeiro de 1720 de Mauléon, actualmente Chatillon sur Seine. Esta cidade chamou-se Mauléon desde 1720 até 1736. Este nome provinha da época romana quando esta cidade tinha.

Aliás o fenómeno não é apenas francófono, pois encontrámo-lo na toponímia espanhola com uma marca pré-filatélica de Léon. Notar que esta marca inclui a representação de um Leão que raramente surge bem batido. Fig. 28.

 

Fig. 28

Temos também o célebre Leão de Lyon, uma das jóias da marcofilia francesa (ex Lenain). Mas aqui trata-se sobretudo de uma toponímia fonética. Esta marca postal é conhecida apenas sobre quatro exemplares. Foi utilizada em Lyon desde 26 até 31 de Janeiro de 1749. Fig. 29.

Fig. 29

O símbolo do Leão também pode exprimir-se na antroponímia.

Com efeito os nomes Leão, Leo, Leonardo provêm da raíz latina Léo (Fig. 30).

Fig. 30

De uma forma inesperada temos a palavra "singh" que os sikhs de uma certa casta associam ao seu patronímico. Isso põe em relevo o seu poder pois "singh" significa Leão na língua Sikh (Fig. 31).

Na toponímia celeste encontramos a constelação do Leão, origem do símbolo do Zodíaco com o mesmo nome (Fig. 32).

9. Enfim, no campo monetário, os búlgaros a fim de mostrar bem a força da sua moeda deram-lhe o nome de "Ley", que significa Leão na sua língua (Fig. 33).

Fig. 31, 32 e 33, respectivamente

10. Creio que o plano de temática que acabo de descrever pode ser retomado com qualquer outro animal cuja simbólica queiramos estudar. Resumindo:

1ª parte: estudo dos diferentes símbolos associados ao animal;

2ª parte: estudo do carácter mais ou menos universal da simbólica;

3ª parte: os meios de expressão da simbólica.

O estudo do Leão e da sua simbólica proporcionou-me muita satisfação intelectual, mas também uma certa frustração pois existem muitos outros animais utilizados como símbolos: a águia, o urso, a pomba, o licórnio, o dragão, etc.

Por isso iniciei uma nova temática "O Bestiário Filatélico e a sua simbólica". Este estudo desenvolver-se-á seguindo estritamente o plano que acabo de expor.


 

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