Breve história de A Filatelia em Portugal

1. Em 1996 a Internet ainda era pouco utilizada em Portugal na difusão de mensagens. As pessoas começavam a habituar-se para consultar espaços, para ver informações, mas assumindo dominantemente uma posição passiva.

A filatelia era uma minha paixão de há muito.

Em pequeno era com uma paixão sempre renovada que recebia os selos, que os descolava do papel, os guardava num classificador entretanto oferecido pelo meu pai. Eram sobretudo selos portugueses, que nessa ocasião ainda circulavam abundantemente nas cartas (era a época do “cavaleiro”); um pouco de todo o mundo com domínio de França, trazidos pelo meu pai do Credit Lyonnais onde trabalhava (os selos franceses tinham, a meus olhos, o encanto de um país estrangeiro e apresentavam uma finura de desenho e cores); da Alemanha, exactamente da RFA, embora não soubesse da diferença, oferecidos pelo hóspede germânico de minha avó.

Como todos os coleccionadores que começaram sem qualquer preparação, o anseio era ter selos de todo o mundo, identificando colecção com a junção de selos, únicas peças filatélicas consideradas dignas de colecção. As folhas que o meu pai mandou fazer na tipografia do banco davam para colá-los, primeiro com cola, depois com charneira, divididos por países. Deu para aprender Geografia Política. Se essa colecção me pode parecer hoje anárquica e sem sentido, a verdade é que tinha vantagens incontestáveis: admirava os selos por si mesmos, pela beleza ou mensagem que transmitiam; não criava a ânsia da posse; não era eu que me moldava aos imperativos da colecção, mas esta que se ajustava ao meu prazer.

Porque estava em Portugal, porque era mais fácil obtê-los – recortados das cartas, em pacotes vendidos em qualquer tabacaria, nos Correios e Telégrafos de Portugal, com então se chamava – , comecei a concentrar a minha atenção nos selos de Portugal (e colónias). Tal permitiu que o meu pai descobrisse uma loja especializada (o Eládio dos Santos) e que eu tivesse acesso ao primeiro catálogo. A partir da consulta dele passei a saber tanto o que tinha como o que me faltava. Ofereceram-me um classificador maior, um álbum de selos de Portugal e passei a ter uma maior vontade de acabar a colecção (o que ainda não me aconteceu, e nunca acontecerá). Até carrinhos de corridas e abafadores utilizava para trocar por selos de Portugal que um amigo meu ia buscar a um álbum de família.

Desse período radioso do meu coleccionismo apenas lastimo que não tivesse ainda aprendido a lidar com os selos e tivesse estragado muitos por comportamentos indevidos, que tivesse sido roubado por um amigo do meu pai (um selo que “ele levou para observar” porque em vez de CORREIO dizia CORRFIO).

Enfim, porque a filatelia era uma paixão de infância e quase nada havia sobre tal na Internet resolvi criar uma página web sobre Filatelia em Portugal.

Depois de aprender html (ainda não estávamos na época do php, embora essa linguagem já tivesse sido criada) e de ter encontrado alojamento, graças ao meu amigo Armando e à Caleida, avancei para a criação da Filatelia em Portugal. Nasceu oficialmente a 11 de Novembro de 1996. O que então não sabia é que existia um conjunto de instituições dedicados teoricamente à promoção da filatelia, mas que na realidade eram forças de bloqueio, social e tecnologicamente retrógrados – salvo raras excepções – mais preocupados com os jogos de poder da “elite filatélica” do que com a promoção desse lazer.

Sobre os meus anseios de então, sobre os projectos, sobre o feito e o desejado, basta ler os artigos que então escrevi sobre o assunto.

2. A página web conheceu momentos de glória. Glória à minha dimensão, à dimensão da minha alegria, mais preenchida com pequenos eventos do que com medalhas e outras estultícias, de que rapidamente me afastei depois de perceber o mundo que representavam.

São alguns desses momentos de glória o e-mail que recebi de uma criança brasileira agradecendo as informações disponíveis sobre Camilo Castelo Branco; a escolha da página para protótipo da NEC para um programa de tradução para diversas línguas asiáticas; o diálogo estreito com diversas famílias, localizadas em diversos países, que conservavam o português depois de emigrantes há mais de uma geração; a colaboração abnegada de alguns filatelistas portugueses que desde a primeira hora colaboraram com o projecto (pérolas num extenso areal de ignorância ou inveja); o muito que aprendi durante a própria construção da página.

Também se encontra no conjunto destas imensas alegrias o facto de os livros electrónicos terem atingido, no momento da morte quase cinco milhões, isso mesmo, 5.000.000, de importações (downloads) bem sucedidas. Facto único na língua portuguesa, que saibamos, e na filatelia mundial. Um número que sempre pode ser auditado, que foi controlado.

Poder-se-á dizer que tal facto é natural na medida em que as importações eram gratuitas, mas a verdade é que este argumento é falacioso: em primeiro lugar porque em muito outros sítios há importações gratuitas e esse número não é atingido; (b) apesar de serem gratuitos, as preferências do leitor foram claramente manifestadas pelas opções que faziam na importação.

Estes dados estão contabilizados.

A este propósito chamamos a atenção que as estatísticas das importações de livros podem ser úteis para os “dirigentes filatélicos” perceberem quais são as preferências da generalidade dos coleccionadores de selos e quanto elas diferem do “filatelicamente correcto” e do que preferem as “elites filatélicas”. Veja-se, por exemplo, a grande preferência pela “filatelia tradicional” e a desvalorização da “história postal”.

Não podemos de deixar aqui um agradecimento aos autores dos livros, embora alguns nunca tivessem dedicado atenção às tiragens dos livros e ao empreendimento. Dois agradecimento especiais são devidos: a Luís Eugénio Ferreira que escreveu o livro sabendo à partida que era exclusivamente para edição electrónica, facto então fortemente desprezado nos meios filatélicos, e a Carlos Kullberg que incansavelmente nos ajudou na publicação dos seus livros e que manteve sempre um diálogo próximo.

Temos pena de não ter sido possível publicar os livros programados de “Portugal 2010”, “Colecção (especializada) de Moçambique” e, quiçá restantes colónias portuguesas (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Índia e Timor). Era um trabalho que exigia pagar pela composição dos livros e ninguém se decidiu a tal. A este propósito é preciso afirmar que sucessivas direcções filatélicas dos CTT se mantiveram totalmente indiferentes, mesmo quando informados detalhadamente do sucesso dos livros. Tão indiferentes que nem um exemplar das séries publicadas se dignaram oferecer à Filatelia em Portugal.

3. A página morreu em Julho de 2011. A certidão de óbito não indica com precisão a data. Era uma morte anunciada para esta época há alguns meses. Prioridades pessoais e profissionais impediam que continuasse com o empreendimento. Por coincidência coincidiu com o “estoiro” definitivo do computador em que estava instalado.

A sua utilização noutro computador exigia que os ficheiros tivessem sido convertidos para PHP e MySQL, trabalho que foi iniciado, mas inacabado por falta de tempo, sobretudo pela exigência de adaptação das tabelas.

No momento da morte existia o seguinte espólio principal disponível em linha:

para além, obviamente, dos 27 livros electrónicos que mantivemos em linha.

4. E assim termina um empreendimento. Foi difícil dar morte a quem se criou com amor e se estimou toda a vida. Mas era inevitável. Com o fim da actividade do Clube Nacional de Filatelia desapareceram os outros possíveis pais adoptivos. Toda a restante “filatelia organizada” ou foi indiferente ou oposição à Filatelia em Portugal.

São meus votos sinceros que o futuro faça esquecer o empreendimento que agora terminou, disponibilizando-se em linha o que estava e muito mais.

Carlos Pimenta
22/Julho/2011